Primeiro Encontro da Confraria Bonsai de Brasília leva tradição japonesa ao Parque da Cidade 

daniel.xavier@grupojbr.com 

No último sábado (4/10), o Parque da Cidade Sarah Kubitschek recebeu um espetáculo silencioso e contemplativo. O verde, desta vez, não veio das árvores centenárias do parque, mas das miniaturas meticulosamente moldadas que dominaram o gramado durante o 1º Encontro da Confraria Bonsai de Brasília. O evento, organizado por amantes da arte japonesa milenar, reuniu dezenas de bonsaístas, curiosos e admiradores, transformando o espaço em um jardim vivo de histórias, paciência e cultura.

Mais que uma exposição, o encontro foi um gesto coletivo de resgate e fortalecimento da arte do bonsai no Distrito Federal. O público pôde apreciar exemplares de várias espécies e estilos, participar de rodas de conversa, demonstrações de modelagem e oficinas práticas, além de compreender a filosofia que sustenta essa tradição japonesa — uma prática que vai muito além da estética, é disciplina, observação e respeito pelo tempo da natureza.

Segundo o organizador Luciano Maia, fundador da Confraria Bonsai de Brasília e criador da loja Maia Bonsai, o objetivo é dar visibilidade a um movimento que, embora antigo na capital, ainda carece de projeção nacional. “Queremos levar o nível do bonsai de Brasília para o Brasil e para o mundo. Aqui há bonsaístas sensacionais, verdadeiros artistas, mas que ainda são pouco conhecidos”, afirmou Maia.

primeiro encontro da confraria bonsai de brasília leva tradição japonesa ao parque da cidade luciano maia, músico, servidor da caesb e bonsaísta créditos daniel xavier jornal de brasília
luciano maia, músico, servidor da caesb e bonsaísta créditos daniel xavier jornal de brasília

A confraria nasceu durante a pandemia, quando muitos brasilienses, isolados em casa, encontraram no cultivo das pequenas árvores uma forma de terapia e reconexão. De lá para cá, o grupo cresceu, promoveu encontros em viveiros, formou novas parcerias e consolidou uma comunidade ativa e acolhedora, que agora ocupa o espaço público para mostrar o resultado de anos de dedicação.

“A ideia é que este seja o primeiro de muitos encontros itinerantes. Queremos levar o bonsai aos parques e praças de todo o DF, de Planaltina a Brazlândia, de Sobradinho a Vicente Pires”, explicou Maia. “Nosso projeto é o Bonsai no Parque, para popularizar a arte e despertar o interesse das pessoas, inclusive nas periferias”, declarou. Os organizadores da ação estão fechando o cronograma da exposição dos bonsais em outras regiões administrativas do DF. Maia revelou ao JBr que terão em novembro outro encontro no Parque da Cidade.

Das mãos do ferreiro às raízes do bonsai

Entre os participantes do encontro estava organizador do projeto Alexandre da Silva Filho, conhecido entre os colegas como Alex Facas. Nascido em Teresina (PI) e morador de Brasília há 28 anos, Alex é um dos personagens mais singulares da confraria. Herdeiro de uma tradição familiar de ferreiros, ele é hoje cutileiro artesanal — fabrica facas e ferramentas — e descobriu no bonsai uma extensão natural de seu ofício.

“A cutelaria me ensinou precisão e paciência. Durante a pandemia, conheci o bonsai pela internet e percebi que era uma arte parecida — exige calma, detalhe e respeito pelo material”, contou. “Hoje fabrico tesouras e alicates especiais para cuidar das plantas. O bonsai virou parte da minha vida”, declarou Alex Facas.

primeiro encontro da confraria bonsai de brasília leva tradição japonesa ao parque da cidade alexandre da silva filho, conhecido como alex facas créditos daniel xavier jornal de brasília (2)
primeiro encontro da confraria bonsai de brasília leva tradição japonesa ao parque da cidade alexandre da silva filho, conhecido como alex facas créditos daniel xavier jornal de brasília (2)

Alex também é um dos instrutores da escola mantida pelo grupo, que oferece cursos ao longo de todo o ano. Os alunos aprendem desde o cultivo das raízes até o refinamento da copa, num processo que pode durar anos. “Não existe pressa no bonsai”, diz ele. “É uma arte de tempo e de silêncio. Cada galho ensina alguma coisa”, explicou Alex.

O encanto que veio do cinema e floresceu em Brasília

A história de Luciano Maia, músico, servidor da Caesb e bonsaísta há mais de 30 anos, também começou com uma semente curiosa: o filme Karatê Kid (1985). A imagem do senhor Miyagi cuidando de uma pequena árvore despertou o fascínio do menino de Planaltina, que passou décadas estudando, errando e experimentando até dominar a técnica. “Naquela época não havia internet, só revistas e jornais. Eu via as fotos e tentava fazer sozinho. Quando descobri que havia gente praticando em Brasília, procurei aprender com eles. Mais tarde, com as redes sociais, tudo ficou mais acessível”, relembrou.

Durante a pandemia, Maia criou o perfil @maiabonsai no Instagram e passou a vender plantas a preços acessíveis — a partir de R$ 80 — com o intuito de democratizar o acesso à arte. O sucesso o levou a abrir uma loja física, que hoje funciona como viveiro e escola.

“O bonsai é uma obra de arte viva. Não existe um igual ao outro. Cada árvore carrega a marca do artista que a cultivou. Quando alguém se encanta com uma planta minha, sinto como se estivesse vendo alguém admirar um quadro”, disse.

Uma terapia cultivada em silêncio

primeiro encontro da confraria bonsai de brasília leva tradição japonesa ao parque da cidade marçal freire, de 41 anos, bonsaístas créditos daniel xavier jornal de brasília
primeiro encontro da confraria bonsai de brasília leva tradição japonesa ao parque da cidade marçal freire, de 41 anos, bonsaístas créditos daniel xavier jornal de brasília

Para Marçal Freire, de 41 anos, morador de Vicente Pires e analista de sistemas, o bonsai surgiu como uma forma de reencontro consigo mesmo. Inspirado também pelo Karatê Kid, ele começou há sete anos, quando ganhou uma muda de acerola e decidiu transformá-la em bonsai. “Foi o estalo. A partir dali não parei mais. O bonsai virou meu hobby e também minha terapia. É o momento do dia em que esqueço os problemas e foco no cuidado. A planta responde à paciência que você oferece”, contou.

Marçal participa ativamente da confraria e vê no projeto uma oportunidade de inclusão cultural. “É importante levar esse tipo de arte para as periferias. O bonsai é acessível, basta disposição e curiosidade. Ele ensina sobre tempo, paciência e respeito. Isso pode transformar pessoas”, expressou Marçal.

Tradição que cria raízes no cerrado

A arte do bonsai em Brasília tem história. Desde os anos 1990, pioneiros como Francisco Lustosa e Carlos Góes difundiram o cultivo na cidade com cursos e encontros. Já nos anos 2000, nomes como David Baracat e Marcelo Miller consolidaram a capital como um polo nacional da prática. Em 2010, com o surgimento de grupos nas redes sociais — como o Brasília Bonsai Clube —, a comunidade se manteve ativa, ainda que de forma dispersa.

primeiro encontro da confraria bonsai de brasília leva tradição japonesa ao parque da cidade créditos daniel xavier jornal de brasília (3)
primeiro encontro da confraria bonsai de brasília leva tradição japonesa ao parque da cidade créditos daniel xavier jornal de brasília (3)

A virada aconteceu em 2020, com o isolamento social. Muitos encontraram nas pequenas árvores um refúgio contra o estresse e a ansiedade, e o grupo “Bonsaíando em Bsb” deu origem à atual Confraria Bonsai de Brasília. Em 2023, a 1ª Mostra da Confraria no Jardim Botânico marcou o início de uma nova fase, agora coroada pelo encontro no Parque da Cidade. Hoje, Brasília conta com viveiros especializados, escolas, e uma geração de novos artistas que unem tradição japonesa e cerrado brasiliense — criando árvores em miniatura com ipês, jatobás, jacarandás e até pequizeiros. “O bonsai nos ensina sobre equilíbrio, paciência e humildade. Ele não é só uma planta, é uma lição de vida em forma de arte.”, resume Maia. 

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