Durante quatro vezes na semana, Olímpia Gomes de Santana Nunes, 80 anos, deixa a casa na L Norte ao lado do marido, José Pereira Nunes, de 73 anos. Juntos, enfrentam uma jornada que muitos considerariam difícil: pegam até três ônibus para chegar ao campus Darcy Ribeiro, da Universidade de Brasília (UnB), onde ela cursa o primeiro semestre de Turismo. José é aposentado dos Correios e foi diagnosticado com Alzheimer há alguns anos. Desde então, acompanha a esposa em tudo, inclusive nas aulas.
A história de Olímpia começa longe da capital. Mineira de nascimento, ela chegou a Brasília em 1975, em busca de uma nova vida. “Quando cheguei, falei: ‘Meu Deus, onde é que eu vim parar?’”, lembra, com o mesmo sorriso que hoje ilumina as salas de aula. Na época, veio porque o irmão já morava na cidade e prometera ajudá-la a conseguir emprego no Tribunal de Justiça. “A pessoa que ia sair acabou ficando, e eu precisei me virar. Comecei a procurar emprego pelos classificados dos jornais” , recorda.
Foi o início de uma caminhada de trabalho e persistência. Olímpia foi costureira, balconista, professora e, mais tarde, servidora da Secretaria de Educação do DF, onde se aposentou. “Nunca fui muito inteligente, mas sempre fui muito esforçada. Eu corro atrás, mesmo sem saber, estou sempre em ação”, diz, com orgulho.

Mesmo depois da aposentadoria, ela não parou de estudar. Fez cursos de informática no IFB e na UDF, estudou pintura na Católica e chegou a tentar o vestibular para Psicologia, mas não passou. “Sempre fui péssima em redação. Na minha época chamava ‘composição’. Minhas irmãs me ajudavam, mas eu não conseguia”, conta. Foi durante um curso de redação que ouviu falar do Vestibular 60+, projeto da UnB que oferece vagas exclusivas para pessoas idosas.
A prova foi um divisor de águas. “Quando sentei, pensei em desistir. Olhei para o tema e falei: ‘Eu não preciso disso’. Mas aí invoquei o Espírito Santo e ouvi dentro de mim: ‘Senta aí’. Fiz a prova e, quando saiu o resultado, eu tinha passado em sétimo lugar. Nem eu acreditei”, relembra.
Hoje, ela frequenta as aulas quatro vezes por semana e é uma das alunas mais queridas do curso. “As meninas me amam, são muito carinhosas. No começo, eu cheguei em casa e falei: ‘Não volto mais’. Mas a coordenadora Ana Rosa e minha colega de sala a Regina conversaram comigo, insistiram, e agora não saio mais daqui”, diz.
Ao seu lado, está sempre o marido. Casados há 47 anos, Olímpia e José vivem uma rotina de cumplicidade. O diagnóstico de Alzheimer mudou o cotidiano, mas não o vínculo. “Ele me incentiva a continuar. Quando digo que estou cansada, ele fala: ‘De jeito nenhum, você não pode desistir’”, conta. José participa das aulas, acompanha as dinâmicas e é bem recebido pelos colegas. “Os alunos me tratam com muito carinho e acolhem ele também. Todos gostam do Zé”, diz.
A rotina até a universidade é desgastante. “A gente pega o primeiro ônibus por volta das 5h50. Às vezes está lotado, e nem sempre respeitam os assentos preferenciais. Já precisei pedir para levantarem, mas sigo em paz. Mesmo assim, gosto de andar de ônibus, sempre gostei”, conta.
Mãe de três filhos, dois homens e uma mulher, Olímpia divide o dia entre os estudos, o cuidado com o marido e as tarefas de casa. “Os dois filhos moram comigo, mas trabalham. Então, não tem quem fique com o Zé. Por isso ele vem comigo. Não dava pra deixar ele sozinho”, explica.
Entre as disciplinas do curso, ela se descobriu apaixonada por organização de eventos e ações comunitárias. “Sempre gostei disso sem saber. Na paróquia, eu organizava excursões, levava dois ônibus cheios para as festas, cuidava de tudo. Acho que o turismo já estava dentro de mim e eu só não sabia.”
Mesmo enfrentando fibromialgia, hipertensão e três hérnias de disco, ela mantém o bom humor. “Às vezes as pernas fraquejam, mas eu digo pra elas: ‘Sigam a cabeça, que ela não está fraca como vocês’”, brinca.
A fé sempre foi o alicerce da sua vida. “Quando as coisas apertavam, eu me ajoelhava diante do Santíssimo Sacramento e falava: ‘Senhor, o senhor sabe da minha situação’. E Ele nunca me deixou sem resposta”, afirma. Foi com essa força espiritual que enfrentou períodos de dificuldade, como quando o marido perdeu o emprego. “Comecei a costurar mochilas e bolsas pra vender. Quando não dava certo, fazia bolo e saía de casa em casa. Passa fome quem quer. Quem tem vontade, dá um jeito.”
Ao completar 80 anos, ela diz que a universidade é o maior presente que poderia ter recebido. “É uma alegria sem fim. Às vezes pergunto pra Deus: ‘O que queres de mim nesta idade?’. Mas sei que é uma oportunidade. Enquanto Ele me der força, eu vou continuar estudando”, afirma, sorrindo.
E, com a serenidade de quem já enfrentou muitas provas, deixa um recado: “Segurem na mão de Deus e não desistam. A idade não é barreira, o desânimo é. Estudar é uma forma de continuar viva e de agradecer pela vida que a gente tem. Eu já vivi muito, mas ainda quero viver aprendendo.”


