Por Daniel Xavier
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No coração do Gama, no Distrito Federal, uma praça que por anos foi apenas mais um ponto no bairro voltou a pulsar com força total. A chamada “Praça do Sandubas” reviveu seu passado glorioso em um reencontro emocionante de amigos que viveram ali intensamente as décadas de 1970 a 1990.
Mais que uma simples reunião, o evento “SandubaS25 – O reencontro” que aconteceu no domingo, 22 de junho, se transformou em um tributo à memória afetiva de uma geração inteira. Histórias de amizade, música que marcaram a época, amores juvenis e resistência se misturaram às gargalhadas e abraços apertados de quem passou décadas sem se ver e voltou a se encontrar como se o tempo tivesse parado. O evento reuniu mais de mil pessoas.

A ideia nasceu de uma conversa entre Ricardo Gonzaga Patrão, especialista em saúde e o amigo de longa data Sanderson Rabelo, empresario. Os dois frequentaram a praça durante a juventude e guardavam na memória os domingos de flertes, conversas e música boa.

A nostalgia virou ação: criaram grupos no WhatsApp, resgataram contatos e começaram a organizar. Em poucas semanas, localizaram cerca de 90% da turma original. O que era apenas um plano se transformou em realidade, com apoio de comerciantes locais como Divina Grill, Max Burger e Casa das Massas, localizados na antiga praça do Sandubas. “Ver a galera chegando, trocando ideia, sorrindo… é a prova de que valeu a pena. A missão foi cumprida”, disse Ricardo, emocionado. Aos 52 anos, ele falava com a energia de um adolescente de 17 anos. “Esse reencontro é mais do que uma festa. É sobre memória, pertencimento. É sobre reforçar os laços”, ressalta Patrão.

Ricardo não estava sozinho na empreitada. O reencontro foi organizado com a ajuda de familiares e amigos de infância: seu irmão Roberto Andrade, o primo Luiz Henrique, os amigos Eugênio Valdivino, José Wilson, Júlio Eduardo entre outros que marcaram presença. Patrão conta que já havia promovido outros encontros que chegaram a reunir 200 pessoas em casas de amigos. Mas essa edição seria diferente, pois agora acontece em um local público, e o grupo de amigos se expandiu.

Sanderson Rabelo, 49 anos, passou os últimos anos no Canadá. Antes de voltar ao país onde morou por quase uma década, fez questão de participar do reencontro. “Foi aqui que conheci minha esposa, a Lisandra. A gente começou a namorar em 92, eu tinha 16 anos. Casamos em 2003, temos dois filhos. Estar aqui é reviver tudo isso”, destaca Sanderson. O retorno temporário ao Gama teve sabor de despedida e celebração. “Viver essa emoção com os amigos de infância antes de voltar ao Canadá é um presente. Os vínculos que criamos aqui são eternos”.
A praça, os encontros e os domingos sem pressa

O local de antigamente ganhou vida com relatos como o de Luiz Henrique,50 anos, primo de Ricardo. “Todo fim de semana a gente vinha pra cá. Bicicleta, rampa, papo furado… esse lugar marcou a nossa infância”, contou. “Tentamos fazer algo fechado antes, mas não funcionou. Daí veio a ideia de usar um espaço público, mais aberto, mais acolhedor — e foi a melhor escolha”.
José Wilson de Paulo, de 53 anos, também se emocionou. Dono de comércio no Gama, lembra com carinho da época em que saía da missa e vinha direto para a praça. “Esse era o nosso quintal. Jogava bola, vôlei, via os amigos. Cada um foi pra um canto, mas hoje tá todo mundo aqui de novo. Isso toca o coração”, declara.

Outro que reviveu os tempos de ouro foi Eugênio Valdivino, que nasceu e cresceu no Gama. “Brasília nos anos 80 era muito politizada. A gente vivia o grêmio estudantil, discutia teatro, política, música. Era tudo muito intenso, muito humano. Hoje a gente perdeu um pouco disso”, comenta.
Do dindin ao diploma

Amauri Andrade, de 51 anos, percorreu um longo caminho desde os dias de praça. “Vendia dindin e cocada na rodoviária. Hoje sou advogado criminal e professor de Direito Penal. Mas tudo começou aqui, na praça do Sandubas. A gente saía da missa e vinha pra cá paquerar. Muitos casais surgiram aqui. Era uma época simples, mas com muita verdade”.
Entre as lembranças mais queridas, ele cita a Hamburgueria Sandubas. “Os sanduíches tinham nomes de celebridades: Fafá de Belém, Tony Ramos, Maitê Proença… a gente se sentia parte de algo especial. Era o nosso lugar”, relembra com muitas gargalhadas.
O som que embalava os domingos
A trilha sonora da juventude também marcou presença. E ninguém melhor que Roberto Andrade, irmão de Ricardo, para puxar a memória musical da turma. Aos 59 anos, ele foi o primeiro DJ da praça, em 1987. “Trabalhava numa boate chamada Românticos Bar e, no domingo de manhã, montava o som aqui. Ia até 10 da noite. Tocava rock nacional, freestyle, Pet Shop Boys, A-ha. Era incrível”, descreve Roberto as lembranças com muito amor.
Hoje, o Andrade ainda atua como DJ e locutor de rádio, além de trabalhar em um órgão do governo. “Tem gente aqui que eu não via há mais de 15 anos. É emocionante demais, as pessoas conquistaram muitas coisas, é uma grande mudança de vida”, reflete.
“Hoje é nostalgia, mas também resistência”

A administradora de hotelaria do Gama Jandira Gomes, de 48 anos, também marcou presença. “Vivi aqui minha adolescência. Fiquei sabendo do reencontro hoje, mas fiz questão de vir com uma amiga que está comemorando o aniversário do marido. Vir para rever os amigos, dançar, sorrir, lembrar”, declara Jandira. Para ela, esse tipo de evento tem um valor que vai além da saudade. “Vivemos um tempo de distanciamento. Tento passar para o meu filho de 23 anos os valores de uma época com mais leveza, mais respeito, mais música boa. É difícil, mas a gente tenta resgatar”, desabafa.
No fim das contas, “SandubaS25 – O reencontro” foi exatamente o que se propôs a ser: um mergulho coletivo no passado, com os pés bem firmes no presente. Os relatos, tão diversos quanto verdadeiros, mostram que existe algo poderoso em se reunir para lembrar. Algo que não cabe só nas fotos antigas ou nas músicas de um tempo que não volta mais. “Se a gente conseguir manter isso vivo, mesmo que uma vez por ano, já vale tudo”, resume Ricardo Patrão. “Olhando para a praça cheia, com risos ecoando como nos velhos tempos, é fácil acreditar que esse encontro valeu muito, o intuito é servir de exemplo para outras pessoas”, finaliza.