“A gente não via a deficiência como impedimento para a criança trazer felicidade para a família”. A frase é da professora Taicy Ávila, 49 anos. Há oito anos, diante da vontade de ter um segundo filho, ela e o marido, Roberto Veríssimo, optaram pela adoção.
Nesta semana, em alusão ao Dia das Mães, celebrado neste domingo, 11/5, e ao mês da adoção, a campanha Sementes da Inclusão e da Equidade conta a história de Taicy, de Samuel, 09 anos, e sua família. Samuel nasceu com uma má formação no cérebro, chamada holoprosencefalia, e paralisia cerebral.
Taicy de Ávila conta que os planos do casal era ter dois filhos, mas que, depois das complicações do primeiro parto e das dificuldades para engravidar de novo, o casal viu na adoção um caminho para aumentar a família. Ela lembra que foi o marido quem questionou sobre essa possibilidade. “Eu pensei: eu quero um filho, não uma gravidez”. Taicy e Roberto já eram pais de Cauã, hoje com 16 anos.
A escolha
A professora relata que, no convívio com as outras famílias durante os encontros do Projeto Aconchego, ela e o marido perceberam que algumas crianças tinham mais dificuldades de serem acolhidas e encontrarem novas famílias. Crianças mais velhas, grupos de irmãos, crianças com problemas de saúde, com deficiência estão nessa lista.
“Nós refletimos que, em uma gravidez, a gente não escolhe nada. Ninguém escolhe o sexo, a cor de pele, se a criança vem com uma questão de saúde ou uma deficiência. Então, eu e meu marido não vimos muito sentido em fazer esse tipo de exigência na adoção. E, por sermos professores, nós sempre convivemos com crianças com deficiência na escola. A gente não via isso como um impedimento para a criança trazer felicidade para a família”, conta.
Depois da reflexão, Taicy e Roberto informaram que aceitavam adotar criança com menos de cinco anos, independente do sexo, cor da pele ou deficiência. Poucos meses depois da habilitação para adoção, o casal recebeu uma ligação da 1ª Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal (VIJ-DF).
“Nosso número na fila era 400 e alguma coisa. Assim que o Samuel foi cadastrado para adoção, por não ter condições de ser acolhido por ninguém da família biológica ou extensa, nós fomos chamados para iniciar o estágio de convivência. Ele foi cadastrado como criança com deficiência e nós éramos a única família do DF, naquele momento, que aceitava criança com deficiência. O sistema busca famílias para as crianças e não crianças para as famílias”, relembra.
Estágio de adoção

Ela conta que, algumas semanas depois de ganhar um novo lar, Samuel começou a balbuciar e a fazer terapias. Até hoje, todo o acompanhamento é fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Eu fazia com o ele o mesmo que fizemos com o nosso primeiro filho. Eu cantava, lia histórias, conversava. Depois da vinda dele para casa, o desenvolvimento motor dele avançou rapidamente”, completa, destacando o apoio que teve no trabalho durante o período de convivência. “Eu tive muito apoio no trabalho porque existe licença maternidade na adoção, mas não existe licença para estágio de convivência”, compartilha.
Hoje, Samuel superou todas as questões motoras. Ele corre, anda, pula, escala. O maior desafio, de acordo com a mãe, é a linguagem. “O Samuel não é uma criança oralizada por conta do autismo, que ficou mascarado por um tempo devido às outras deficiências, mas ele entende tudo que as pessoas falam e se empenha para verbalizar e comunicar da forma dele. Ele canta, tem muito interesse pelo alfabeto e acredito que em algum momento ele vai ser alfabetizado. Toda criança precisa de família. Até hoje, a gente frequenta o grupo de apoio à adoção e vê relatos de crianças que são adotadas apresentando um atraso grande no desenvolvimento, às vezes até com hipótese de deficiência e, quando chegam no ambiente da família, elas superam tudo isso”, relata.
A história da adoção de Samuel está nas páginas de um livro infantil. Estimulada pela equipe psicossocial do Núcleo de Adoção, Taicy escreveu para Samuel cartas que relatam a história de seu processo de adoção. As cartas se tornaram um livro e é fonte de grande interesse e alegria para Samuel.
Inclusão de crianças e adolescentes com deficiência
Há, atualmente, 85 crianças e adolescentes disponíveis para adoção no Distrito Federal. Desse total, 16,5% têm algum tipo de deficiência identificada. Das 481 pessoas habilitadas para adotar, apenas 48 aceitam adotar crianças ou adolescentes com deficiência.
Durante a preparação psicossocial jurídica para adoção, feita pela equipe psicossocial do Núcleo de Adoção, na 1ª Vara de Infância e Juventude, as famílias são apresentadas à realidade das crianças e adolescentes habilitadas para adoção. Nessa preparação, a equipe psicossocial informa as famílias sobre o tema das deficiências e do capacitismo, com menção a casos concretos a fim de sensibilizar as famílias para o encontro. A partir daí, a equipe elabora o parecer de habilitação de cada pessoa/casal adotante e informa quais são as possibilidades e quais são as restrições de cada família que decide incluir crianças e adolescentes com deficiência em seu perfil.
Outra estratégia adotada para promover o acesso a direitos para essas crianças é marcar em seus cadastros o diagnóstico de deficiência apenas quando é confirmado por profissionais habilitados, uma vez que raramente as crianças e adolescentes passam por avaliação biopsicossocial. Muitos diagnósticos são inconclusos ou são comportamentos e sintomas temporários, resultados das situações de risco e estresse às quais as crianças foram expostas.
*Informações do TJDFT